31 julho 2006

Acordar tarde

o rio parado

de Al Berto
[Publicado originalmente em Horto de Incêndio; http://www.terravista.pt/PortoSanto/2244/ (último acesso, Setembro de 2002). Hoje, ainda há quem goste disto: Tabacaria, por Elvira]

tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte

procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer

irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia

28 julho 2006

Tabacaria

Tabacaria







Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

De Fernando Pessoa
[citado em www.insite.com.br/art/pessoa/]


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos
15-01-1928

25 julho 2006

Somebody blew up America

Aerial view of Beirut, 1982.
Posted at www.cedarland.org with the legend:
"A typical day in Beirut. Summer, 1982".
The barbary is back...


By Amir Baraka
[written in the aftermath of 9/11]
   (All thinking people 
oppose terrorism
both domestic & international...
But one should not be used
To cover the other)

They say its some terrorist, some
barbaric
A Rab, in
Afghanistan
It wasn't our American terrorists
It wasn't the Klan or the Skin heads
Or the them that blows up nigger
Churches, or reincarnates us on Death Row
It wasn't Trent Lott
Or David Duke or Giuliani
Or Schundler, Helms retiring

It wasn't
the gonorrhea in costume
the white sheet diseases
That have murdered black people
Terrorized reason and sanity
Most of humanity, as they pleases

They say (who say? Who do the saying
Who is them paying
Who tell the lies
Who in disguise
Who had the slaves
Who got the bux out the Bucks

Who got fat from plantations
Who genocided Indians
Tried to waste the Black nation

Who live on Wall Street
The first plantation
Who cut your nuts off
Who rape your ma
Who lynched your pa

Who got the tar, who got the feathers
Who had the match, who set the fires
Who killed and hired
Who say they God & still be the Devil

Who the biggest only
Who the most goodest
Who do Jesus resemble

Who created everything
Who the smartest
Who the greatest
Who the richest
Who say you ugly and they the goodlookingest

Who define art
Who define science

Who made the bombs
Who made the guns

Who bought the slaves, who sold them

Who called you them names
Who say Dahmer wasn't insane

Who/ Who / Who/

Who stole Puerto Rico
Who stole the Indies, the Philipines, Manhattan
Australia & The Hebrides
Who forced opium on the Chinese

Who own them buildings
Who got the money
Who think you funny
Who locked you up
Who own the papers

Who owned the slave ship
Who run the army

Who the fake president
Who the ruler
Who the banker

Who/ Who/ Who/

Who own the mine
Who twist your mind
Who got bread
Who need peace
Who you think need war

Who own the oil
Who do no toil
Who own the soil
Who is not a nigger
Who is so great ain't nobody bigger

Who own this city

Who own the air
Who own the water

Who own your crib
Who rob and steal and cheat and murder
and make lies the truth
Who call you uncouth

Who live in the biggest house
Who do the biggest crime
Who go on vacation anytime

Who killed the most niggers
Who killed the most Jews
Who killed the most Italians
Who killed the most Irish
Who killed the most Africans
Who killed the most Japanese
Who killed the most Latinos

Who/Who/Who

Who own the ocean

Who own the airplanes
Who own the malls
Who own television
Who own radio

Who own what ain't even known to be owned
Who own the owners that ain't the real owners

Who own the suburbs
Who suck the cities
Who make the laws

Who made Bush president
Who believe the confederate flag need to be flying
Who talk about democracy and be lying

WHO/ WHO/ WHOWHO/

Who the Beast in Revelations
Who 666
Who decide
Jesus get crucified

Who the Devil on the real side
Who got rich from Armenian genocide

Who the biggest terrorist
Who change the bible
Who killed the most people
Who do the most evil
Who don't worry about survival

Who have the colonies
Who stole the most land
Who rule the world
Who say they good but only do evil
Who the biggest executioner

Who/Who/Who ^^^

Who own the oil
Who want more oil
Who told you what you think that later you find out a lie
Who/ Who/ ???

Who fount Bin Laden, maybe they Satan
Who pay the CIA,
Who knew the bomb was gonna blow
Who know why the terrorists
Learned to fly in Florida, San Diego

Who know why Five Israelis was filming the explosion
And cracking they sides at the notion

Who need fossil fuel when the sun ain't goin' nowhere

Who make the credit cards
Who get the biggest tax cut
Who walked out of the Conference
Against Racism
Who killed Malcolm, Kennedy & his Brother
Who killed Dr King, Who would want such a thing?
Are they linked to the murder of Lincoln?

Who invaded Grenada
Who made money from apartheid
Who keep the Irish a colony
Who overthrow Chile and Nicaragua later

Who killed David Sibeko, Chris Hani,
the same ones who killed Biko, Cabral,
Neruda, Allende, Che Guevara, Sandino,

Who killed Kabila, the ones who wasted Lumumba, Mondlane , Betty Shabazz,
Princess Margaret, Ralph Featherstone, Little Bobby

Who locked up Mandela, Dhoruba, Geronimo,
Assata, Mumia,Garvey, Dashiell Hammett, Alphaeus Hutton

Who killed Huey Newton, Fred Hampton,
MedgarEvers, Mikey Smith, Walter Rodney,
Was it the ones who tried to poison Fidel
Who tried to keep the Vietnamese Oppressed

Who put a price on Lenin's head

Who put the Jews in ovens,
and who helped them do it
Who said "America First"
and ok'd the yellow stars
WHO/WHO/ ^^

Who killed Rosa Luxembourg, Liebneckt
Who murdered the Rosenbergs
And all the good people iced,
tortured , assassinated, vanished

Who got rich from Algeria, Libya, Haiti,
Iran, Iraq, Saudi, Kuwait, Lebanon,
Syria, Egypt, Jordan, Palestine,

Who cut off peoples hands in the Congo
Who invented Aids Who put the germs
In the Indians' blankets
Who thought up "The Trail of Tears"

Who blew up the Maine
& started the Spanish American War
Who got Sharon back in Power
Who backed Batista, Hitler, Bilbo,
Chiang kai Chek who WHO W H O/

Who decided Affirmative Action had to go
Reconstruction, The New Deal, The New
Frontier, The Great Society,

Who do Tom Ass Clarence Work for
Who doo doo come out the Colon's mouth
Who know what kind of Skeeza is a Condoleeza
Who pay Connelly to be a wooden negro
Who give Genius Awards to Homo Locus
Subsidere

Who overthrew Nkrumah, Bishop,
Who poison Robeson,
who try to put DuBois in Jail
Who frame Rap Jamil al Amin, Who frame the Rosenbergs, Garvey,
The Scottsboro Boys, The Hollywood Ten

Who set the Reichstag Fire

Who knew the World Trade Center was gonna get bombed
Who told 4000 Israeli workers at the Twin Towers
To stay home that day
Why did Sharon stay away ?
/
Who,Who, Who/
explosion of Owl the newspaper say
the devil face cd be seen Who WHO Who WHO

Who make money from war
Who make dough from fear and lies
Who want the world like it is
Who want the world to be ruled by imperialism and national oppression and terror
violence, and hunger and poverty.

Who is the ruler of Hell?
Who is the most powerful

Who you know ever
Seen God?

But everybody seen
The Devil

Like an Owl exploding
In your life in your brain in your self
Like an Owl who know the devil
All night, all day if you listen, Like an Owl
Exploding in fire. We hear the questions rise
In terrible flame like the whistle of a crazy dog

Like the acid vomit of the fire of Hell
Who and Who and WHO (+) who who ^
Whoooo and Whooooooooooooooooooooo!

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Uma aragem súbita...

Sopra uma nova voz.